A Prefeitura de Niterói usou técnicas de Ciência Comportamental para auxiliar os cidadãos na tomada de decisão. O Daniel Gaspar explica o que foi realizado e como foi todo esse processo neste artigo.
É crescente a quantidade de governos que se valem dos princípios, metodologias e ferramentas da Ciência Comportamental para atingir os objetivos de suas políticas de forma mais efetiva. Os gestores “arquitetos de decisões” buscam compreender a complexidade do comportamento humano e a forma como as pessoas tomam decisões em seu cotidiano, a fim de formular políticas de incentivos, não financeiros, para que os cidadãos tomem, em plena liberdade, boas decisões.
Em meados do século XX, o economista Herbert Simon propôs um novo paradigma para compreendermos como as pessoas se comportam, que contrastava com o conceito de homo economicus da Economia Clássica. De acordo com seus estudos, o ser humano disporia de uma racionalidade limitada, tendo em vista a complexidade do contexto da tomada de decisão na vida real.
Após a virada do século, o psicólogo e cientista comportamental, Dan Ariely, promoveu mais avanços nessa discussão. Segundo o autor, é uma ilusão pensarmos que temos amplo controle sobre o nosso processo decisório. A maioria das nossas decisões seria tomada de forma irracional e essa irracionalidade ocorreria de maneira regular, ou seja, seria possível prever a ocorrência de decisões irracionais e atuar para evitá-las.
Foi essa evolução de estudos e achados nos campos da Economia e da Psicologia que impulsionou a ideia de “Paternalismo libertário”, termo cunhado pelos americanos Richard Thaler e Cass Sunstein, que fundamenta uma das principais ferramentas da Ciência Comportamental, a metodologia “Nudge”. Por um lado (paternalismo), seria legítimo que gestores públicos (arquitetos de decisão) buscassem influenciar o comportamento das pessoas para que elas façam escolhas que melhorem suas vidas. Por outro (libertário), esse movimento reforça que as pessoas devem ser plenamente livres e não podem ter sua liberdade de decisão tolhida por organizações públicas ou privadas.
Os governos, portanto, podem desenhar ações públicas que incentivem a tomada de decisões para o bem das pessoas.
A Prefeitura de Niterói tem buscado refletir sobre a aplicação de princípios, ferramentas e metodologias da Ciência Comportamental em políticas públicas municipais. A Escola de Governo e Gestão de Niterói (EGG) vem promovendo ações educacionais para disseminar conhecimentos relacionados ao tema aos servidores e a Prefeitura vem implementando projetos relacionado ao tema.
Em 2019, a Prefeitura obteve financiamento para implementar o projeto “Nudgebots na atenção básica de Niterói”, parceria entre o Município de Niterói, a Associação Samaritano e a startup Movva, que tem como objetivo mudar o comportamento de pessoas com doenças crônicas (diabetes e hipertensão), usuárias do Programa Médico de Família. O projeto sofreu interrupção em 2020 por conta da pandemia e, no momento, a Prefeitura está planejando, junto com seus parceiros, as ações da fase de cadastramento de usuários que receberão os nudges. A partir de 2021, ao longo de 9 meses, serão enviadas mensagens SMS às pessoas para que elas sejam conscientizadas sobre o prejuízo causado em suas vidas pela doença, a fim de que passem a adotar hábitos saudáveis. Ao final desse período, os resultados serão avaliados para compreendermos a potencialidade da aplicação da metodologia neste contexto.
A Prefeitura, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), implementou em 2020 o Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA), investindo R$ 25 milhões em projetos aplicados de pesquisadores da universidade que têm como objetivo apresentar soluções inovadoras a problemas da cidade. No âmbito do PDPA, foi selecionado o projeto “Cidade inteligente e inclusão financeira: uma moeda digital para o Município de Niterói”, que consiste em estudo interdisciplinar que terá como produto um protótipo de sistema de recompensas municipal, baseado em moeda digital. De acordo com a proposta, os cidadãos que adotarem boas práticas, alinhadas aos objetivos estratégicos da Prefeitura e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, serão recompensados com moedas digitais que poderão ser utilizadas para adquirir benefícios. Estima-se que o projeto iniciará ainda em 2020 e será realizado ao longo de 2021.
Por fim, a Escola de Governo lançou, em setembro de 2020, a gamificação de sua plataforma online, com o objetivo de estimular os servidores a completarem os cursos oferecidos e promover a aprendizagem continuada. A ideia é que a lógica e as ferramentas associadas aos jogos podem provocar os servidores a se engajar nas ações educacionais da Escola e aprofundar seus conhecimentos em temas essenciais à administração pública. Na primeira fase do projeto, a EGG atribuiu pontuação à realização de cursos e participação em eventos da Escola, bem como criou um ranking para valorizar os servidores mais atuantes. A partir de 2021, os servidores terão acesso a trilhas de aprendizagem nos mais variados temas da gestão pública, que serão associadas a tarefas e atividades extras (indicação de artigo, podcast, filme etc.), que também serão pontuados.
A partir dessas experiências, a gestão de Niterói precisará realizar um balanço dos resultados, a fim de compreender os benefícios e potencialidades da aplicação da Ciência Comportamental em suas políticas e tirar lições para o futuro. O sucesso dessas iniciativas pode ser um estímulo ao surgimento de mais projetos inovadores em diversas áreas da gestão pública.
É gestor público e doutor em Sociologia. Foi Diretor da Escola de Governo e Gestão de Niterói e é, no momento, Assessor do Gabinete da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão da Prefeitura de Niterói. É um defensor da relevância da gestão pública para promover o bem-estar e felicidade das pessoas.