O Gabriel Soares da Prefeitura de Niterói conta a experiência da cidade na transformação do HackNit do meio físico para o digital.
O HackNit é a maratona tecnológica da cidade de Niterói, que desde 2018, busca prospectar soluções inovadoras para diversos problemas que afligem o cidadão. A cada edição anual, a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (SEPLAG), responsável pelo projeto, busca avançar cada vez mais em seu objetivo de fomentar a participação da população, de maneira a estimulá-la a adotar uma postura ativa frente aos desafios de gerir uma cidade.
Em suas duas primeiras edições, em 2018 e 2019, o HackNit ficou marcado como um evento de grande porte, mobilizando diversas secretarias e ocupando um grande espaço público da cidade, o Caminho Niemeyer, preparado tecnicamente e esteticamente para receber o evento. Com uma produção de alto nível, o HackNit sempre foi reconhecido pelo esmero desde sua idealização até a sua execução, sendo comprovado pelas instituições que apoiam o projeto e por pessoas de alto gabarito que participam da fase de julgamento das equipes participantes.
Executado a várias mãos, o HackNit estabelece pontes entre os setores privado, público, acadêmico e terceiro setor, mobilizando diversos profissionais em prol do objetivo de fomentar a Inovação na Administração Pública de Niterói. Estas instituições ajudam de diferentes formas, seja patrocinando a infraestrutura para o evento, seja oferecendo premiações, ou por meio de fornecimento de capacitação, fazendo do HackNit um centro agregador de mentes criativas e pensantes.
Quando a pandemia de COVID-19 atingiu o Brasil, em março de 2020, não tínhamos noção de por quanto tempo as medidas de isolamento social seriam necessárias, e ainda havia certo otimismo de que não durariam muito. A princípio, a primeira orientação foi esperar, porém quando percebemos que a doença não iria ser controlada tão cedo, os planos tiveram que ser mudados, para que essa política pública pudesse ser realizada.
Foi-nos questionado se um hackathon seria relevante em meio a uma pandemia, e a argumentação foi clara, no sentido de que são em momentos de crise que a tecnologia se torna ainda mais imprescindível, visto que diversas atividades presenciais não poderiam mais ser realizadas. Além disso, o HackNit extrapola o escopo de prospectar soluções tecnológicas, sendo um agente promotor de Inovação dentro da Prefeitura, visto a preocupação com a formação dos servidores participantes e com o estímulo à política de Dados Abertos.
Desta forma, o primeiro passo foi a retomada das Warm-ups – palestras a respeito de temas afins ao HackNit – por meio de lives, a fim de continuar o engajamento dos entusiastas. Diversos temas foram abordados ao longos dos meses de março a agosto, como por exemplo, Mobilidade Urbana, Startups, Criatividade, Lei Geral de Proteção de Dados, entre outros, que poderiam agregar informações úteis para uma população confinada.
O segundo passo foi a definição do formato da maratona: apesar da flexibilização das regras de isolamento, a Organização do evento preferiu migrar completamente para o formato digital, algo totalmente inédito na Prefeitura de Niterói, para evitar possíveis focos de contaminação. Para isso, buscamos referências de outros hackathons que já aconteciam desta forma, para traçarmos um modelo para o HackNit. Uma das premissas foi a racionalização dos custos, devido ao momento de altos gastos relacionados com a mitigação dos efeitos da pandemia. Desta forma, optamos por utilizar uma plataforma já contratada pela Prefeitura, economizando com contratações.
Essa plataforma, já utilizada anteriormente para realização de reuniões, serviu para a Organização do evento estabelecer contato com as secretarias participantes, de maneira a conduzir o processo de construção dos desafios a serem apresentados aos participantes. Os desafios são elaborados por um conjunto de secretarias que, relacionando os problemas prioritários com o tema proposto pelo evento, embarcam em uma jornada de alguns meses junto com a SEPLAG, para percorrer uma trilha de reuniões e discussões, a fim de extrair os melhores desafios e apresentá-los de maneira correta e coerente. No ano de 2020, 17 secretarias municipais participaram, totalizando cerca de 50 pessoas, que se reuniam semanalmente para as reuniões virtuais. Um detalhe importante, que adicionou mais complexidade ao evento, foi o fato de os desafios serem construídos de forma transversal, o que resultava em um esforço de realizar um trabalho intersecretarial limitado pelas normas de distanciamento social.
Nestas reuniões foram apresentados diversos instrumentos para fomentar Inovação, tais como o Mapa de Empatia, o CANVAS, Fluxogramas, Mapas mentais, além de ferramentas como o Miro, que possui diversos frameworks de uso gratuito para construção desses instrumentos. Apesar da dificuldade de engajar tantas secretarias e conciliar suas agendas, o resultado foi muito satisfatório, inclusive pelas parcerias criadas com instituições como o LAEP/RJ (Laboratório de Aceleração da Eficiência Pública) e o Laboratório do Futuro (vinculado à UFRJ), que foram essenciais para a realização das oficinas. Outras instituições como o SERPRO e o SEBRAE/RJ foram parceiros atuantes durante a maratona.
Além da pandemia, as eleições municipais de 2020 constituíram um fator relevante a ser considerado na estratégia de divulgação do evento, pois a restrição dos meios de comunicação poderia comprometer o alcance das publicações, e consequentemente, diminuir o número de inscritos. Para reverter esse quadro, buscamos o apoio da Procuradoria Geral do Município para uma consulta do que poderia ser feito, e apostamos em uma ampliação da divulgação via redes sociais próprias do HackNit, incluindo a criação de um canal no Youtube para registro dos conteúdos digitais. Esse engajamento foi complementado pela estratégia de gamificação lançada esse ano, em que diversas atividades seriam “pontuáveis”. Cada vídeo das Warm-Ups, por exemplo, possuía um código que deveria ser guardado para ser utilizado durante a maratona, revertendo-se em pontuação. Além de fomentar o engajamento, por meio de atividades como a publicação de hashtags específicas ou visualização das Warm-Ups, a gamificação teve um papel de incentivar a execução de soluções mais completas e com base em softwares livres, visto que estes itens eram bonificados na gamificação, não sendo de caráter obrigatório durante a avaliação dos jurados.
Mas a principal preocupação da Organização, era a possível desmotivação das equipes durante as mais de 60 horas do evento, decorrentes da falta do contato físico entre os participantes, mentores, organização e jurados. Para mitigarmos essa percepção, foram feitos diversos vídeos de instrução, incluídos no canal do HackNit no Youtube, e reuniões para apresentação da plataforma e tirar dúvidas do Edital. Além disso, durante o evento, o suporte foi oferecido ininterruptamente às equipes, tanto da Organização quanto de TI, de maneira a sanar dúvidas e problemas técnicos o mais rápido possível. As cerimônias de abertura e encerramento foram digitais, sendo pensadas para serem curtas e diretas, priorizando o tempo dos participantes para realização das soluções.
Por fim, 30 equipes participaram do HackNit 2020, ocupando todas as vagas previstas em Edital. O evento ocorreu entre os dias 23 a 25 de outubro, 10 equipes chegaram até a fase final no domingo, e várias soluções interessantes foram apresentadas. Os projetos agregaram diversas tecnologias visando o atendimento dos desafios, mas sem perder de vista a criatividade e a viabilidade das propostas.
Ao final, tivemos um feedback positivo a respeito das mudanças, principalmente quanto a presença da Organização durante a maratona e sobre a mudança do formato. Críticas foram feitas, como em qualquer evento, e agora estamos na fase de avaliação da viabilidade da implantação das soluções, junto às secretarias relacionadas.
2020 foi um ano de muito aprendizado para a Administração Pública em geral, por conta dos extensos desafios relacionados à pandemia de COVID-19. Ninguém esperava que fossemos tão atingidos e, infelizmente, tantas vidas fossem perdidas. Por isso, torna-se ainda mais relevante a capacidade de adaptação dos gestores frente aos novos desafios.
No que tange ao HackNit, a expertise acumulada na realização de um hackathon on-line será utilizada em 2021, mesmo que seja adotada uma solução híbrida, diante da imprevisibilidade do alcance da vacinação contra a COVID-19 no Brasil. A gamificação iniciada em 2020 será ampliada, buscando aumentar o engajamento das equipes antes da realização da maratona, tal como a amplificação da capacitação dos servidores, por meio de uma parceria com a Escola de Gestão e Governo.
Enfim, 2020 representou um ano de grande aplicação de soft skills como resiliência e flexibilidade, necessárias diante de uma mudança brusca de contexto. Os gestores públicos de maneira geral, tiveram que sair da zona de conforto e lançar mão de novas atitudes para conseguir concretizar diversas políticas públicas, a fim de minimizar o impacto dos serviços para o cidadão. Certamente 2020 será lembrado como um ano de muito trabalho e muito aprendizado, que reverberarão no setor público brasileiro nos próximos anos.
Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental em Niterói, mestrando do Programa de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense e atual Coordenador de Inovação da Subsecretaria de Modernização da Gestão, dentro dos quadros da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (SEPLAG). Entusiasta da tecnologia como instrumento para políticas públicas inovadoras com foco no cidadão.