21/2/2022
Governo

O que você precisa saber antes de aplicar design de serviços no setor público

Neste artigo não será possível responder o “como”, é complexo mesmo, mas completamente possível. O objetivo é dar um pouco de contexto das variáveis desta implementação em governos

A tão falada transformação digital tem ganhado muito protagonismo nos últimos anos. Um dos maiores ganhos que essa pauta trouxe para os serviços públicos foi a mudança de mentalidade de como oferecer e desenhar estes serviços, já que eles são ponto de partida para pensar estratégias de governo digital. 

A própria concepção de oferecer uma experiência única de governo, esteja o cidadão em um balcão presencial, em um telefonema, em um portal ou aplicativo, eleva a qualidade dos serviços e desafia a administração pública a rever a estruturação e integração de seus dados e sistemas. Desta maneira, a transformação extrapola o digital e traz consigo a premissa não só de desburocratização, mas também da democratização do acesso aos serviços públicos pela ampla oferta de canais de atendimento. 

Embora seja sabido dos ganhos em economia e eficiência para governo e da redução de tempo de deslocamento e dinheiro para o cidadão pela oferta de um serviço digital, é importante reforçar que esses resultados só serão alcançados pela administração pública se no processo de formulação, monitoramento e avaliação de serviços públicos for considerada a participação social. 

O respaldo legal da transformação digital no país vem desde 2011 sendo instituído e nos últimos anos ganhou força com o Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos (lei 13.460/2017), a Lei de Governo Digital (14.129/2021) e com a Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/2018). Considerando este escopo legal pode parecer complexo implementar, como colocar em prática? 

Neste artigo não será possível responder o “como”, é complexo mesmo, mas completamente possível. Meu objetivo com este artigo é dar um pouco de contexto das variáveis desta implementação. E para isto, convido vocês a fazer um exercício de empatia sobre os dois lados da moeda. 

Começando pelo início

Quando falamos em serviços públicos, enquanto cidadãos, queremos que o nosso problema seja resolvido da maneira mais simples e rápida possível. Infelizmente, o setor público sofre com o descrédito da população, e apesar de esta realidade estar se transformando, isto ainda é um fator que aumenta a distância entre querer uma boa prestação de serviço e esperar isso de fato.

Já enquanto prestadores de serviços públicos, os servidores estão cercados de portarias regulatórias, infraestrutura tecnológica muitas vezes insuficiente, recursos humanos e financeiros escassos e poucos incentivos para uma capacitação contínua. Somado a isso, os muitos afazeres da rotina de trabalho podem afastar ainda mais o(a) servidor(a) de trabalhar em um projeto voltado para otimização de processos, produtos e serviços, até mesmo aqueles que já possuem as competências essenciais para inovação (ver “Competências essenciais para inovação no setor público” da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). 

Acredito e vivenciei muitos exemplos que me mostraram que um dos principais fatores de sucesso da transformação digital é o engajamento e resiliência, mas propus este cenário para exemplificar como o ecossistema dos serviços públicos possui muitos fatores que podem desencorajar ou incentivar a transformação digital, a experimentação e a inovação e agora gostaria de aprofundar mais um pouco esta reflexão sob a ótica da administração pública, do cidadão e da tecnologia.

Administração Pública

Ao observarmos a dimensão da administração pública, o nível estratégico nos mostra que o patrocínio da liderança e a pauta estar na agenda política é importante para a perenidade das ações. Já no nível tático, a articulação dos atores envolvidos, regulamentação, acompanhamento dos dados e comprometimento com melhorias contínuas garantem um padrão de qualidade da prestação do serviço. E no operacional, a constante capacitação em conjunto com um bom fluxo de informação e interação entre quem executa e quem formula traz transparência e retroalimenta uma relação de confiança e aberta para as propostas de melhorias contínuas, afinal, quem melhor do que quem está na ponta para entender as reais necessidades dos cidadãos relacionadas aos serviços. 

Cidadãos

Já na dimensão de quem irá usar esses serviços (pessoas físicas e jurídicas), os fatores que podem estimular a participação na transformação dizem respeito: a presença ou ausência de mecanismos de colaboração em todas as fases de construção do serviço;  a transparência ativa dos dados (e seus usos) e informações do serviço; o consumo de conteúdos em linguagem simples; a disponibilidade de canais abertos para dúvidas, elogios e reclamações; o acesso a serviços e produtos que prezam pela acessibilidade, inclusão e experiência; e a disponibilização de diferentes canais para acesso aos serviços para garantir que todas as pessoas sejam atendidas. 

Tão importante quanto a existência destes fatores, é a necessidade de articulação e alinhamento entre eles e os atores envolvidos em prol de um objetivo comum: ofertar excelentes serviços públicos. Esta consonância favorece não só a co-criação do desenho dos serviços, mas também a corresponsabilização de todos os atores envolvidos, para que todos se enxerguem como parte do problema e parte da solução. 

 Uma outra dimensão é a viabilidade tecnológica e alinhamento com “o negócio” ou capacidade operacional. Muitas vezes uma solução pode não ser viável tecnicamente ou não estar alinhada com os ganhos que a organização está almejando ter. Conseguir dialogar com essas duas frentes se torna tão importante quanto colocar o(a) usuário(a) no centro das decisões. É importante ter em mente que será necessário articular e priorizar os interesses de cidadãos, servidores e da liderança à viabilidade tecnológica. 

O design de serviço é útil para dar luz a todos esses fatores e compreender como eles e os atores, produtos e sistemas se relacionam no processo, de uma maneira organizada em que é possível delimitar bem os problemas, encontrar oportunidades de simplificação, melhorias e inovação para determinado serviço. As ferramentas de design de serviço vem para nos auxiliar a lidar com serviços dos mais variados níveis de complexidade e organizar a co-criação em um ambiente complexo como o setor público. Além disso, permite tomadas decisões com base em evidências quantitativas e qualitativas. 

E quando falamos de design de serviços centrado no humano, estamos assumindo que as escolhas do que melhorar se dá a partir da experiência de quem é a(o) cidadã(o) que utiliza o serviço. Isso significa que a oportunidade de melhoria aparece quando, na jornada do cidadão, é identificado o momento de frustração de expectativas, enquanto que nos momentos felizes cabe superar as expectativas e aumentar a confiança do usuário no serviço.

A grande questão é que os governos podem antecipar as necessidades dos cidadãos ou mudar de maneira rápida e incremental a realidade de um serviço que não gera uma boa ou a melhor experiência no agora. Afinal, vivemos em uma sociedade cada vez mais dinâmica, em que as necessidades e interesses do público mudam constantemente, assim como as tecnologias por trás da oferta desses serviços. Isso exige agilidade e senso de urgência da gestão pública para que seus produtos e serviços acompanhem esse ritmo. 

Um bom exemplo disso é que, para aqueles serviços que ainda possuem o presencial como único canal de acesso, há a necessidade de uma digitalização através de um redesenho de processo visando modernização e simplificação. Porém, aqueles serviços que já estão presentes no digital, também carecem de melhorias, pois a tendência é que eles se tornem cada vez mais personalizados, automatizados, ou adotem um caráter preditivo (que se trata da oferta de maneira ativa e não reativa à solicitação de um cidadão). Imagine a pessoa idosa ou pessoa com deficiência receber em casa ou poder acessar seu cartão de estacionamento digitalmente sem precisar solicitar!

Por fim, é importante ressaltar que os servidores responsáveis por aplicar as técnicas de desenho de serviços no setor público em sua maioria não são profissionais formados em design, mas isso não é necessariamente um pré-requisito. O essencial é buscar capacitação e materiais disponíveis sobre o assunto para ir se familiarizando com técnicas e ferramentas. Somado a isso, adotando a mentalidade de experimentação para colocar em prática, compreendendo que no processo haverão erros, que vão fornecer aprendizados, irá tornar todos os processos e tentativas mais leves e flexíveis. 

 Vimos que existem muitas variáveis que cercam a temática de serviços públicos e que transformá-los digitalmente exige uma ampla visão e articulação entre os atores. O mais importante é entender que, seja em um contexto digital ou físico, quando falamos em transformação digital a premissa é construir com pessoas e não para elas. Compreender a importância desta mentalidade e começar a adotá-la é um primeiro passo essencial para melhorar os serviços de uma cidade e gerar valor público. 

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O que você precisa saber antes de aplicar design de serviços no setor público

Raphaela Teles

Bacharela em Políticas Públicas e em Ciências e Humanidades e especialista em Governo Digital. Possui experiência no desenvolvimento de soluções de atendimento multicanal à população, modernização de serviços públicos e (re)desenho de serviços digitais centrado na(o) cidadã(o).