É comum escutarmos que o governo deve controlar as suas contas assim como as famílias. Mas será que essa equivalência do orçamento público ao privado é realmente adequada? Confira neste artigo!
Naturalmente fazemos associações em nosso processo de aprendizagem e compreensão do mundo com o objetivo de aproximar determinados fatos e a nossa realidade para que as novas informações sejam melhor compreendidas por nós.
Essas associações ocorrem de forma especial com questões que parecem ser muitos semelhantes entre si e possuem algum tipo de equivalência. No entanto, devemos ter muito cuidado para não fazermos falsas equiparações!
Quando estamos tratando do orçamento público é muito recorrente ouvir dizer que o governo deve controlar as suas contas como as famílias. Ou seja, ele deve ser responsável o suficiente para não gastar mais do que arrecada, assim como as famílias não devem gastar mais do que a sua renda.
No entanto, este tipo de equivalência entre o orçamento público e o privado é muito simplista e não leva em consideração as especificidades de cada um.
Normalmente esta comparação é utilizada por quem defende um modelo de austeridade fiscal de gestão das contas públicas.
Há pelo menos três razões pelas quais não podemos tratar o orçamento público da mesma forma que o orçamento familiar. Entenda mais a seguir!
Um dos principais motivos pelos quais não podemos equiparar o orçamento público ao familiar se deve ao fato de que, enquanto o orçamento familiar está dado, ou seja, as famílias possuem limitações para ampliar as suas receitas e/ou renda, no orçamento público, isso é definido pelo governo.
Os governos possuem alguns mecanismos para aumentar ou diminuir a sua arrecadação que, por sua vez, se refletirá no nível das suas despesas.
O montante de recursos arrecadados pelo governo é estimado anualmente em seu processo de planejamento orçamentário que, em algum momento, pode prever a inserção de um novo tributo ou então o aumento de alíquotas de tributos já existentes.
Para ilustrar como os governos podem moldar a sua arrecadação, basta lembrarmos que a estrutura tributária dos países é muito diferente e depende em grande medida das suas preferências de arrecadação.
Outra diferença pode ser observada na dimensão dos efeitos de cada um dos tipos de gastos. Enquanto os gastos familiares possuem um efeito restrito na satisfação das necessidades familiares, os gastos públicos, a depender do seu tipo, tendem a gerar outros tipos de gastos que irão impulsionar o crescimento da economia.
Como foi abordado no artigo anterior, os modelos alternativos à austeridade fiscal postulam que os gastos públicos são suscitadores do crescimento econômico porque aumenta a renda das famílias e, consequentemente, o seu consumo.
Conceitualmente, o mecanismo que opera por trás desta lógica é chamado de efeito multiplicador. Quando o governo realiza determinados tipos de gastos, especialmente aqueles que se direcionam às famílias mais vulneráveis, esses recursos tendem a voltar para o governo na forma de impostos.
Além das famílias terem limitações quanto a aumentar as suas receitas, destaca-se o fato de que estas não emitem moeda, ou seja, as famílias não fazem dinheiro.
Apesar desta ser uma prática que deve ser bem planejada pelo governo — e que possui as suas implicações práticas —, o governo possui a possibilidade de emitir moeda para lidar com o cumprimento dos seus objetivos e com a gestão dos recursos públicos.
A política monetária é um dos mecanismos que o governo tem à sua disposição para garantir, por exemplo, que a quantidade de moedas ou a taxa de juros esteja em consonância com os seus objetivos e possa, desta forma, contribuir para o crescimento econômico.
Além destas três dimensões que ilustram porque o orçamento público não pode ser equiparado ao orçamento familiar, podemos pensar ainda que os objetivos de ambos são muito distintos.
O orçamento familiar busca atender as necessidades de um pequeno grupo de pessoas com objetivos muito específicos, como o de atender as necessidades básicas de alimentação, vestuário, lazer, saúde, educação, etc.
Já o orçamento público objetiva atender as necessidades de toda a população e do setor produtivo e, sobre este orçamento, interferem muitas variáveis que não incidem sobre o orçamento familiar.
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Mestrando em Administração Pública e Governo (FGV). Bacharel em Gestão de Políticas Públicas (USP). Desenvolve pesquisas sobre políticas de saúde e educação, desigualdades, federalismo, orçamento público e financiamento de políticas públicas.