Neste artigo, Gabriel Machado fala sobre os diferentes níveis de governo que compõe Brasil como país federativo.
O Brasil é um país federativo formado por 5570 municípios, 27 unidades da federação (26 estados mais o Distrito Federal) e a União. Ser um país federativo significa que a organização político-administrativa é contemplada por diferentes níveis de governo com diferentes níveis de autonomia para governar o seu respectivo território.
Alternativamente aos países federativos, como o Brasil, há os Estados unitários, que não possuem diferentes níveis de governo autônomos, e que apesar de possuírem governo local, este normalmente é subordinado a um governo central.
Para entender melhor o que é o federalismo iremos nos remeter a primeira federação do mundo.
No contexto de independência dos Estados Unidos da América, no final do século XVIII, este território era organizado em uma confederação, ou seja, o território era dividido em diferentes estados independentes que tratavam individualmente das suas questões, e havia um governo central muito fraco, que sequer estabelecia uma relação direta com a população. Com a independência do país, três personalidades intelectuais da época, Madison, Hamilton e Jay, também denominados de “Os Federalistas”, notaram que o arranjo da confederação não seria viável para o país, uma vez que enfraqueceria os estados independentes diante de ameaças externas, ou poderia até causar concorrência entre os próprios estados, o que os enfraqueceria.
Neste sentido, Os Federalistas propuseram um novo arranjo institucional para a organização do país, que é a federação. Neste modelo, os estados continuariam com a sua autonomia, mas haveria um governo central que contemplaria todos os estados, de modo a haver uma sobreposição de governos em um mesmo território. Este segundo nível de governo é a União, e ela é responsável por garantir a unidade dos estados independentes.
A partir destas breves considerações a respeito da origem do federalismo (que conceitualmente é diferente de federação, mas não entraremos nestes detalhes neste texto), podemos identificar algumas características comuns aos países federativos. Uma das principais, que também pode ser considerada uma característica inerente das federações e um dos motivos pelo qual ela foi criada, é a garantia de uma autonomia com interdependência, ou seja, os governos locais como estados e municípios são autônomos em relação ao governo central, que é a União, mas eles também interagem entre si e produzem ações conjuntas.
Uma outra características, e que também justifica a necessidade de um país ser federativo, é a presença de heterogeneidades no território, que podem ser de cunho geográfico, cultural, linguístico, socioeconômico ou de outra natureza, de modo que a federação permita garantir a expressão dessas diversidades e ao mesmo tempo uma unidade entre elas.
Por fim, mas não esgotando as características das federações, destaca-se ainda o fato de que elas possuem uma soberania compartilhada, na medida em que os governos locais são autônomos para governarem independentemente do governo central, por isso tem-se uma premissa de que as federações só se expressam em regimes democráticos de governo.
No contexto brasileiro, o país que também leva o nome de República Federativa do Brasil, inaugurou um novo arranjo federativo com a Constituição de 1988, que é o arranjo vigente até hoje. Uma das principais diferenciações do modelo brasileiro é o fato de ter alçado os municípios ao patamar de ente federativo - chamamos de ente federativo cada um dos níveis de governo de uma federação -, formando assim uma federação triádica, ou seja, com três níveis de governo.
Esta inovação se expressa pelo fato de que em praticamente nenhuma outra federação do mundo há a coexistência de três níveis de governo, havendo no máximo duas, sendo que nas federações em que existe o nível do município, este não é totalmente autônomo em relação aos demais níveis. Junto a este processo, a Constituição Federal de 1988 também realizou um processo de descentralização ou criou um ambiente institucional para que a descentralização ocorresse em reformas realizadas na década de 1990.
A descentralização é o processo pelo qual algumas atribuições passam do governo central para o governo local, ou seja, da União para os estados e municípios. Ela pode ser política, fiscal e administrativa. No Brasil, estes três tipos ocorreram e dão uma posição de destaque aos municípios. A descentralização política se dá quando os governos subnacionais (estados e municípios) possuem a prerrogativa de serem eleitos pela população jurisdicionada ao seu território. A descentralização fiscal ocorre quando os governos subnacionais possuem a possibilidade de arrecadar os seus próprios impostos e dispor de receita própria (além das transferências recebidas dos demais níveis de governo). E a descentralização administrativa ocorre quando os governos subnacionais possuem autonomia para gerir serviços locais e implementar políticas públicas no seu contexto.
Diante da complexidade do arranjo organizacional que se conformou em 1988, algumas competências dos entes ficaram definidas na própria Constituição Federal, especificando sobre quais questões eles podem atuar. No entanto, além das competências exclusivas, que dizem respeito ao que só um ente pode fazer, há também as competências compartilhadas, que são de responsabilidade de todos os três entes.
Destaca-se ainda que a posição de destaque dos municípios no federalismo brasileiro se deve ao fato de que a descentralização os incubiu de muitas responsabilidades na gestão das políticas públicas, de modo que temos muitos serviços que hoje são ofertados por este nível de governo, como a educação infantil e ensino fundamental no campo da educação, atenção básica no campo da saúde, serviços de assistência social, serviços de limpeza urbana, infraestrutura e organização da cidade, além de atribuições em outros setores.
A compreensão da organização político-administrativa do nosso país, assim como as justificativas para ela ser como é, é muito importante para que se possa pensar nas outras dimensões da organização do Estado brasileiro. Entender como municípios, estados e a União interagem entre si e qual é o seu papel no nosso arranjo federativo é essencial para que se possa compreender as dinâmicas que explicam o nosso funcionamento e para que possamos aprimorá-lo.
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Mestrando em Administração Pública e Governo (FGV). Bacharel em Gestão de Políticas Públicas (USP). Desenvolve pesquisas sobre políticas de saúde e educação, desigualdades, federalismo, orçamento público e financiamento de políticas públicas.