Saiba o que os gestores podem fazer para estimular mudanças de comportamento social em torno do tema mais polêmico dos últimos anos.
A polarização não é nenhuma novidade, mas faz pouco mais de quatro anos que ela se tornou popular no Brasil, e no mundo, dentro principalmente da esfera política. Segundo o dicionário Michaelis, seu significado é o ato ou efeito de polarizar. Mas em seguida, há uma figura de linguagem que cabe perfeitamente dentro deste debate. Polarização é a concentração de energias em torno de uma ou mais situações.
Um dos temas mais polêmicos da polarização dos últimos tempos está ganhando força novamente dentro da política, visto que as eleições presidenciais de 2022 estão logo aí. No artigo do Apolitical escrito por Mario Scharfbillig, conselheiro de política científica da Comissão Europeia Joint Research Centre, ele traz luz para dois tópicos bem importantes para a discussão na atualidade: o papel dos valores e identidades.
“Como os gestores de políticas públicas podem lidar com esses desafios? Quais são os passos bem sucedidos para começar a curar as brechas em nossas sociedades?” Essas foram as perguntas que o conselheiro trouxe para se aprofundar no tema. As respostas? Estão no resultado do relatório recentemente publicado pela UE (União Europeia) no documento “Valores e identidades - um guia para formuladores de políticas públicas”, disponível em inglês para download em PDF.
Segundo o relatório, há um paradoxo, pois apesar de termos cada vez mais evidências científicas para orientar a formulação de políticas públicas, observamos ao mesmo tempo, fortes desacordos sobre escolhas políticas e uma crescente e significativa antipatia por grupos de opiniões opostas.
“Para superar essa aparente contradição, precisamos entender melhor o papel dos valores e identidades, que os cientistas sociais e comportamentais argumentam que estão no centro do que as pessoas querem, o que deve ser do interesse dos gestores públicos”, comenta Mario Scharfbillig.
Para entender o que ele está dizendo precisamos voltar um pouco à história da polarização. Durante a maior parte do século 20, a política na Europa foi vista pelas lentes da divisão de esquerda-direita em relação aos interesses socioeconômicos. Porém, hoje, valores, atitudes e identidades individuais antecipam o melhor comportamento político do que as filiações tradicionais.
“Não se trata mais de quem recebe o quê, mas do que é certo de acordo com os valores de um indivíduo. Além disso, nossos próprios valores - ou melhor, as prioridades que damos a valores como liberdade, igualdade ou segurança - automaticamente parecem colorir nossas próprias visões dos fatos”, explica o conselheiro da Comissão Europeia.
A prioridade que cada um deposita em seus valores normalmente varia de cidadão para cidadão, independentemente do país que estamos avaliando. Portanto há de se questionar quais são as maiores dores que temos como indivíduos para saber como devemos tratá-la.
Outro material de referência para o tema é a pesquisa que o Instituto Ipsos fez em junho do ano passado, traduzido de forma livre como “Guerras culturais pelo mundo: como os países percebem as divisões”. Nele percebemos quais são os níveis de maior tensão entre os indivíduos em diferentes disputas e divisões na sociedade.
O Brasil teve uma média acima dos demais países em assuntos relacionados a divergências de opiniões políticas, classe social, etnia e valores progressistas x tradicionais. Por aí já temos uma ideia dos valores e identidades que teremos daqui para frente.
Mas então, como reduzir a polarização?
“Políticas que melhor reflitam os valores e identidades dos cidadãos enquanto são informadas por evidências terão maior probabilidade de levar a um nível mais alto de impacto, conformidade e, possivelmente, mudança de comportamento. Eles também podem permitir que os gestores públicos reconstruam a confiança na democracia e diminuam a polarização política”, conclui Mario Scharfbillig.
Reduzir a polarização é uma tarefa urgente e crucial. Mario compartilhou em seu artigo 3 ferramentas que podem ajudar os gestores a abordar mais diretamente os valores relevantes e os aspectos de identidade de seu trabalho político, são eles:
1- maior compreensão (por exemplo, avaliações e pesquisas rápidas)
2- cocriação (por exemplo, workshops e/ou ferramentas de engajamento do cidadão e democracia deliberativa - como o Colab :)
3- comunicação (por exemplo, mineração de textos de valores e enquadramento de valores).
“As avaliações rápidas de valores, por exemplo, ajudariam os gestores de políticas públicas a avaliarem o estágio inicial e até que ponto os valores são relevantes para uma nova política pública”, comenta Scharfbillig.
Assim como nós do Colab, Mario Scharfbillig defende que o envolvimento dos cidadãos pode ajudar a entender quais valores os cidadãos elencam como questões-chave, e como podemos fazer essa comunicação funcionar melhor. Isso também ajuda a quebrar as barreiras de identidade, fazendo com que os cidadãos de grupos opostos conversem entre si de maneira construtiva.
“O trabalho nas ferramentas não é o final desse processo e outras abordagens podem ser necessárias. Convidamos a comunidade de pesquisa, profissionais e gestores públicos a explorar outras maneiras de abordar essas questões importantes”, finaliza o conselheiro.
Portanto, entender e reconhecer que nossas prioridades são diferentes já é o primeiro passo para encontrar novas maneiras de pensar sobre como engajar o cidadão de forma proativa.
Jornalista e gestora de projetos sociais com foco em ESG. Atualmente usa o audiovisual como sua principal ferramenta de narrativas de impacto. Acredita que histórias podem transformar as pessoas e pessoas transformam o mundo.