Neste artigo, nosso colunista fala sobre a importância da adoção da Agenda 2030 pelos municípios e como os ODS podem ser inseridos nos planejamentos das cidades.
Em março de 2021 escrevi para o Jornal da USP sobre como o processo de construção do Plano 2030 de São Paulo, inspirado pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), se mostrou uma inovação para o planejamento não apenas do município, mas de outros que viessem a conhecer o case.
Não à toa, pois após meses de discussão pública e mais de 8.600 colaborações da sociedade civil na construção da Agenda 2030 em São Paulo, o Plano que organizamos via Comissão Municipal dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) contou com 135 metas municipalizadas e mais de 500 indicadores distribuídos pelas 400 páginas do documento. Com o avanço das discussões e a construção de um Plano de Ação para implementação no município, surgem paradigmas importantes para a gestão pública que contribuem para refletir como alinhar os municípios com a Agenda 2030 da ONU.
Adotada em 2015, após ampla discussão de 193 países em Nova York (EUA), a Agenda 2030 é um Plano de Ação que tem como objetivo buscar vias para o desenvolvimento sustentável, superando uma visão polarizada entre progresso e sustentabilidade e reconhecendo a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões como um de seus principais desafios. São 17 objetivos e 169 metas de Ação Global para alcance até 2030, superando os então chamados “Desafios do Milênio” ao tornar tais Objetivos intersetoriais e articulados entre si para o próprio cumprimento destes.
Criada em 2020 na cidade de São Paulo, a Comissão Municipal para os ODS municipalizou 135 das 169 metas da Agenda. Tal Plano Municipal 2030 se apresenta como um articulador das peças orçamentárias (como o Programa de Metas, o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual), especialmente pela abordagem intersetorial, propiciando o olhar para políticas que toquem aos governantes futuros e que necessitam de um mapeamento dos problemas presentes. Na prática, um rumo comum para que as demais peças de planejamento municipal possam caminhar coletivamente, incluindo Planos Municipais (ex: Educação, Saúde e outros).
Em meio ao recuo do Brasil no cumprimento das metas nacionalmente, o esforço em ter um Plano Municipal 2030 está em elaborar base comum entre as peças de planejamento para a construção de uma estratégia de gestão, compondo características multissetoriais, transversais e plurivalentes, para seguir um sentido ordenado de onde se pretende chegar até 2030. Neste mesmo ritmo, diversos municípios passaram a se articular pela aproximação do planejamento municipal à Agenda 2030 (ex: Teresina-PI, Rio-RJ, Curitiba-PR, Cuiabá-MT e outros, inclusive via associações), pois além de contribuir a nível de planejamento do município, a Agenda colabora na definição de rumo comum entre municípios. Ou seja, posiciona-se um objetivo comum entre as metas a serem alcançadas, traduzindo-se por vezes em consórcios e cooperações intermunicipais.
Apesar de algumas vezes o planejamento no setor público ser visto como mero instrumento burocrático e exigência legal, é necessário que exista um alinhamento que sintetize os objetivos, estratégias e ações dentro de um tempo, espaço e limitações que permeiam as capacidades públicas. Pois, sem rumo, cada município irá caminhar para um objetivo diferente, propiciando assincronias e potencializando desigualdades.
Além disso, é importante visualizar que nesse caso a ordem dos fatores altera a Agenda, pois existe considerável diferença entre se dispor a 1) alinhar/adaptar o município com a Agenda 2030 (dispondo-se a adaptar práticas vigentes no município, inclusive realizando mudanças culturais e organizacionais, para receber as metas e definir um rumo sustentável executável) e 2) alinhar/adaptar a Agenda 2030 com o município (extrair da Agenda aquelas metas que já estejam eventualmente sendo cumpridas pelo município e fazer da Agenda um mero check-list de quantas metas foram alcançadas, apontando que as demais metas não dizem respeito à governabilidade daquele município).
Em suma, a Agenda 2030 da ONU pode significar um importante instrumento para o planejamento municipal e para um rumo comum a nível regional. No entanto, tal esforço exige que o compromisso com o desenvolvimento sustentável seja além de frases de efeito e compromissos retóricos, mas mobilizador de uma transformação real e coletiva.
Gestor de Políticas Públicas pela USP e Pesquisador CNPq da FGV. Associado ao Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) e ao Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (GETIP). É também Representante da Sociedade Civil na Comissão da Agenda 2030 da ONU para São Paulo.