As equipes da Secretaria de Planejamento de Niterói e da ONU-Habitat contam neste artigo sobre as ações feitas na cidade fluminense em busca da implementação da Agenda 2030.
A Agenda 2030 foi estabelecida em setembro de 2015 quando líderes mundiais reuniram-se na sede da ONU, em Nova Iorque, para construir um plano voltado à erradicação da pobreza, proteção do planeta, alcance da paz e prosperidade das nações. O plano possui 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos com o pressuposto de “não deixar ninguém para trás”.
Os ODS se constituíram como uma “linguagem universal” norteadora da elaboração dos planos nos governos gerando a oportunidade de instituírem suas ações em prol de um pacto global pelo desenvolvimento sustentável. O ODS 11 - Comunidades e Cidades Sustentáveis – reforçou a importância dos governos locais e regionais para o alcance dessa agenda. Trata-se do nível de governo mais próximo das pessoas para capturar características, expectativas e necessidades únicas dos cidadãos e territórios para o desenvolvimento de políticas que respondam diretamente aos riscos e às vulnerabilidades que a sua população enfrenta diariamente.
O contexto da Pandemia de Covid-19 - que afetou de forma rápida e profunda nosso mundo - evidenciou ainda mais a importância dos governos locais para mitigar os seus efeitos, também demonstrou que é indispensável a cooperação multinível para enfrentar situações críticas e promover soluções efetivas. Não há como superar esta crise sozinho em nenhum nível de governo. Esforços compartilhados entre os governos locais e regionais, com o apoio da sociedade civil, por meio da cooperação descentralizada, constituem-se como alicerces fundamentais para enfrentar desafios globais mais urgentes, como: mudanças climáticas e perda de biodiversidade, mudanças demográficas e aumento da desigualdade, entre outros.
Considerando a relevância dos governos locais e regionais, e suas associações e redes, o Sistema ONU tem orientado estratégias para a implementação das agendas universais por meio da localização dos objetivos globais e do desenvolvimento de Relatórios Locais Voluntários (RLV). Isso com o objetivo de ajudar os governos a fazerem balanços dos progressos realizados a partir das políticas implantadas e sua correlação com os ODS a fim de contribuir para a transparência e responsabilidade pública. A "localização" das agendas universais incentivada pelo sistema ONU é um testemunho de apoio à coesão territorial e governança multinível. Atualmente, cerca de 30 cidades já produziram os seus RLV, como Nova Iorque (EUA), Barcelona (Espanha), Oxaca (México), Cidade do Cabo (África), Suwon (Coreia do Sul), entre outras.
A Prefeitura de Niterói tem enveredado esforços na elaboração do seu RLV com a perspectiva de sua ampla divulgação a partir de dezembro de 2020. Trata-se do resultado de uma parceria que a Prefeitura de Niterói e a ONU-Habitat iniciaram em 2017 através do projeto “Sistemas de Responsabilidade Pública para medir, monitorar e informar sobre políticas urbanas sustentáveis na América Latina”. Este relato de experiência apresenta, em linhas gerais, o processo de elaboração do RLV de Niterói, destacando as principais oportunidades e desafios identificados para o alcance dos ODS. Serve ao propósito de registrar o histórico de construção deste instrumento de avaliação da Agenda 2030 em Niterói e divulgá-lo para servidores e a sociedade civil.
Para o desenvolvimento do relatório de cumprimento dos ODS, a ONU-Habitat, em parceria com a Prefeitura de Niterói, contratou uma consultoria especializada para analisar a atuação da gestão nas suas diferentes áreas e consolidar um documento oficial. O relatório teve como ponto de partida a análise dos documentos referentes a Agenda 2030 e a implementação dos ODS pelo ONU-Habitat em diferentes territórios.
A base de alinhamento dos ODS com as políticas locais para a elaboração dos RVL é a vinculação com os instrumentos de planejamento setoriais. Nesse sentido, o Plano Estratégico Niterói que Queremos, o Plano Plurianual e o Plano Diretor, bem como os planos setoriais alicerçaram a construção do documento. Também foram realizadas entrevistas com gestores-chave que pudessem providenciar mais informações sobre as políticas.
Para levantamento das informações e construção dos indicadores a plataforma do Observanit (http://observa.niteroi.rj.gov.br/) forneceu as bases de seleção das métricas de desempenho. Sobre o recorte temporal do relatório, optou-se por trabalhar com as ações da gestão municipal desde 2013, a fim de analisar a continuidade da política implementada nas duas últimas gestões, tão importante para a consolidação das estratégias de governo. Por fim, cada análise temática apresenta uma seleção de novos possíveis indicadores, com metas e prazos pré-definidos, que possam ser necessários para contribuir no monitoramento da gestão pública.
O RLV de Niterói enfatizou a avaliação do ODS 11 e foi estruturado da seguinte forma: habitação, transporte sustentável, planejamento participativo, redução de riscos e espaços públicos. Adicionalmente foram incluídas três seções: i. políticas educacionais; ii. políticas de saúde; e iii. políticas de inclusão e redução de vulnerabilidades.
Importante ressaltar que Niterói tem investido de maneira substantiva na participação digital para a construção dos seus planos por meio da plataforma Colab . Ao todo foram realizadas quase 70 consultas, mobilizando 11.843 pessoas. A plataforma também é utilizada para que os cidadãos registrem fiscalizações relacionadas ao ordenamento urbano de maneira territorializada. O Colab.re já registrou mais de 50 mil solicitações de serviços, com uma taxa de resolução de 83.89%.
Um dos maiores desafios de Niterói diz respeito à qualidade do ar devido à intensa circulação de veículos automotores. O número de carros aumentou 28% nos últimos 10 anos, o que significa que há um carro para cada três habitantes. Esse desafio está sendo enfrentado com as diretrizes do novo Plano Diretor e do Plano de Mobilidade, e com projetos estruturantes voltados para a mobilidade sustentável, a expansão do transporte público e o fortalecimento da mobilidade ativa. Por meio do Programa Niterói de Bicicleta verificou-se a ampliação da rede cicloviária municipal de 30,59 para 45 kms de rotas cicláveis e a construção de um bicicletário público que atende mais de 600 usuários diariamente.
A Transoceânica foi um dos projetos mais importantes de Niterói. Integra a Região Oceânica com o resto da cidade e inclui um roteiro exclusivo para o Sistema de Ônibus de Alto Nível em 11 estações. A Transoceânica reduziu o tempo de viagem dos passageiros de Charitas a Engenho do Mato de 1 hora para 20 minutos.
Sobre as políticas ambientais, Niterói passou a ter 42% de seu território protegido por unidades de conservação e 56% de áreas verdes. Também Niterói desenvolve há sete anos o Projeto Enseada Limpa para despoluição da Enseada de Jurujuba (parte da Baía de Guanabara). O índice de balneabilidade aumentou de 28% para 61% em quatro anos.
Na área da habitação, apesar da profunda segregação sócio-espacial do território, a gestão pública tem tomado medidas importantes para a democratização do acesso à terra, como a formulação de um Plano de Regularização Fundiária, o desenvolvimento de parcerias para elaboração de projetos de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social - ATHIS e a demarcação de ZEIS pelo novo Plano Diretor.
Um problema sério em muitas cidades brasileiras é o saneamento. Niterói tem 100% de abastecimento de água tratada e 95% da população tem acesso a rede de esgoto. Apenas 10 cidades no Brasil têm mais de 80% da população com rede de esgoto.
Existem, no entanto, desafios significativos a serem enfrentados. No que diz respeito ao ODS 11 destaca-se a aplicação dos instrumentos de acesso a terra, função social da propriedade e direito à cidade, contemplados no novo Plano Diretor Municipal. O desafio é consolidar esse direito junto com os demais planos estratégicos em desenvolvimento. A ocupação desordenada do solo urbano, somada à segregação sócio-espacial do território e as condições precárias de habitabilidade que afetam seriamente a qualidade de vida de uma parte significativa da população, talvez sejam os maiores desafios a serem enfrentados e que demandam ações estratégicas e prioritárias pela gestão municipal.
Há ainda desafios importantes relacionados aos ODS 3 e 4. Na área da Saúde, o aumento da população idosa demandará investimentos significativos na oferta e qualidade dos serviços públicos. Na Educação, apesar dos importantes investimentos realizados nos últimos anos, há o desafio da melhoria da qualidade do ensino e da forma como são aplicados os gastos públicos.
Já em relação à reversão da desigualdade e o controle da vulnerabilidade, presentes nos ODS 1 e 10, apesar de Niterói mostrar avanços significativos nos seus indicadores sociais e estar situado em bons patamares em comparação com as demais cidades brasileiras, há ainda desafios importantes a serem superados, relacionados sobretudo ao incentivo à Economia Solidária, ao combate à violência contra a mulher e à implementação de políticas efetivas para a população em situação de rua e dependentes químicos.
A Agenda 2030 apresenta metas desafiadoras para os municípios de modo que o RLV tem se revelado uma ferramenta útil de controle social, que possibilita a avaliação do alcance dos ODS no nível local em diversas cidades ao redor do mundo, revelando avanços e temas que ainda necessitam ser trabalhados. Uma vez feita a publicação do primeiro RLV de Niterói, inicia-se o desafio de ampliar o diálogo e realizar dinâmicas participativas virtuais e presenciais, quando for possível, com amplo leque de atores da sociedade civil, para que a população possa opinar sobre seu conteúdo e contribuir com suas futuras atualizações até 2030.
Referências
Guidelines for Voluntary Local Reviews: a comparative analysis of existing VLRs. Vol 1. UCLG, UN-Habitat. Barcelona, First Published in Barcelona, 2020. Disponível em: https://unhabitat.org/sites/default/files/2020/07/uclg_vlrlab_guidelines_july_2020_final.pdf; acesso em 11/11/2020.
Autores
Marilia Sorrini Peres Ortiz é Mestre em Administração Pública e Governo (EAESP-FGV) e Subsecretária de Planejamento (SEPLAG-Prefeitura Municipal de Niterói).
Simone Gatti é Doutora em Planejamento Urbano (FAU-USP) e Consultora Onu-Habitat, pesquisadora (NAPPLAC-USP) e Professora da Escola da Cidade.
Beatriz González Mendonza é Mestre em Cidades e Desenvolvimento Global (University of Sheffield, UK) e Coordenadora de Projetos Onu-Habitat
Luciana Tuszel é Mestre em Política Urbana (LSE, Sciences Po) e Consultora em Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável Onu-Habitat
Claudio Acioly Jr é Arquiteto e Planejador Urbano e Consultor de diversos organismos internacionais como ONU-Habitat, Banco Mundial, CEPAL, GIZ, entre outros.
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